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quinta-feira, 30 de abril de 2009

A compreensão direta















Compreensão Direta


Sri Nisargadatta Maharaj (Vedanta Advaita)


"Tudo o que eu digo, você deve apreender diretamente, sem o filtro das palavras. Porque, se aceitamos as palavras, o que ocorre? Baseados nestas palavras, criamos um conceito; e logo, baseados neste conceito, o aceitamos como se fosse o
que nós somos. Criamos uma imagem baseada num certo conceito, que se baseia,
por sua vez, nas palavras que pensamos que estamos escutando. Mas isso não é
jnana. Apenas isso, que se aprende diretamente, é conhecimento.
O conhecimento que tento transmitir não será aceitável para a pessoa
mediana, inclusive se acontece dela estar interessada no conhecimento espiritual. A
razão disso é porque espera algo do ponto de vista do corpo, desde esta identificação
com o corpo. Nesse estado, como um objeto, quer conseguir algo – o conhecimento
como um objeto – o que é impossível, porque o conhecimento é puramente subjetivo.
[...]


Todos vocês mantém um certo conceito, e tudo o que digo vocês tentam
encaixar dentro dos limites deste conceito. Então dizem: “Sim, isto é aceitável para
mim.” Vocês me escutam, uma vez, duas vezes ou várias vezes; então, ao final de
um certo período, chegam a uma conclusão: “eu não me beneficiei muito com as
palavras do Maharaj.” Por que? Porque, com base nas palavras, vocês tentam criar
uma imagem de vocês mesmos. E se o que digo ressoa segundo este conceito, então
dizem: “sim, agora tenho o conhecimento e agora compreendo o que Maharaj disse e
Maharaj tem razão.” Por que? Porque o que digo encaixa com seu conceito.
Gostaria de saber de todos vocês se o que eu digo lhes toca como
verdade e se é benéfico. Repito: quando alguém aqui disse que seria benéfico?
Quando concorda com o conceito que esse alguém ama. Então vocês dizem: “sim, é
benéfico.” E quando não concorda, dizem: “eu sinto, isso não me toca, não é para
mim.”

Nós nos aferramos às palavras e aos significados, esquecendo de que o
que somos é antes do começo, não só das palavras, senão também do primeiro
pensamento básico."

terça-feira, 28 de abril de 2009

Reencarnar


Por Ananda Coomaraswamy




Voltando ao nosso autómata, consideramos o que ocorre em sua morte. O ser composto se desfaz no cosmo; não há nada que pode sobreviver com uma consciência do ser de Fulano. Os elementos da entidade psicofísica se desintegram e passam a outros como um legado. Isto é, na verdade, um processo que ocorre em todo fase da vida do nosso Fulano e é um processo que pode seguir claramente na propagação, repetidamente descrita na tradição hindu como o “renascimento do pai em e como o filho”. Fulano vive em seus descendentes diretos e indiretos. Esta é a suposta doutrina hindu de reencarnação”; a mesma da doutrina grega de metasomatosis e da metempsicosis; é a doutrina cristã da nossa preexistência em Adão “segundo a substância corporal e a virtude seminal”; é a doutrina moderna da “repetição dos caráteres ancestrais”. Somente o ato da transmissão dos caráteres psicofísicos pode tornar inteligível o que é chamado na religião a nossa referência ao pecado original; na metafísica nossa herança é a ignorância, e pela filosofia nossa capacidade congênita de conhecer nos fins o sujeito e objeto. Apenas quando estamos convencidos de que nada acontece por azar teremos entendido a idéia de uma Providência.

Preciso dizer que isso não é uma doutrina de reencarnação? Preciso dizer que nenhuma doutrina de reencarnação, segundo a qual o ser da pessoa de um mesmo homem que viveu uma vez na terra renascerá de outra mãe terrestre, nunca foi ensinada na Índia, nem sequer no budismo – nem na tradição neoplatônica ou em nenhuma outra tradição ortodoxa? Tanto nos Brahmanas como no Antigo Testamento, se afirma com igual contundência que os que partiram uma vez deste mundo, partiram para sempre e que não serão vistos novamente entre os vivos. Tanto no ponto de vista hindu como no ponto de vista platônico, toda mudança é um morrer.

Nós morremos e renascemos diariamente e a cada instante, e a morte “quando chegar a hora”, é apenas um caso especial. Eu não digo que uma crença em reencarnação jamais foi crida na Índia. Digo que esta crença só pode ser resultado de uma má interpretação popular da linguagem simbólica dos textos e que a crença dos eruditos e teósofos modernos é resultado de uma interpretação dos textos igualmente simplista e desinformada. Se há a pergunta de como pode ter surgido tamanho erro, pedirei que considerem as seguintes afirmações de Santo Agostinho e Tomás de Aquino: que nós estamos em Adão “segundo a substância corporal e a virtude seminal”; que “o corpo humano preexistia nas obras prévias em suas virtudes casuais”; que “Deus não governa o mundo diretamente, senão por meio das causas médias, e se não for assim, o mundo seria provado da perfeição da causalidade”; que “como uma mãe está grávida de sua cria, assim o mesmo mundo está grávido das causas das coisas não nascidas”; que “o próprio destino está nas próprias causas criadas”. Se isso fosse extraído dos Upanishads ou do budismo, não seria visto nisso não apenas o que realmente são, mas a doutrina do karma, e também a doutrina da reencarnação?

Por “reencarnação” entendemos um renascimento aqui mesmo do ser e da própria pessoa. Afirmamos que isso é impossível, por boas e suficientes razões metafísicas. A consideração principal é esta: se o cosmo possui um número de possibilidades indefinidas, as quais todas devem realizar-se em uma duração igualmente indefinida, o universo presente terá cumprido seu curso quando todas suas potências forem reduzidas ao ato – justamente como cada vida humana ter cumprido seu curso quando todas suas possibilidades forem esgotadas.

O fim de uma aeternidade terá sido alcançado então sem lugar algum para uma repetição dos acontecimentos e não para uma repetição das condições passadas. A sucessão temporal implica uma sucessão de coisas diferentes. A história se repete a si mesma em tipos, mas não pode se repetir em nada particular. Podemos falar de uma “migração” de “genes” e chamar isto de um renascimento de tipos, mas esta reencarnação do caráter de Fulano deve ser distinguida da “transmigração” da verdadeira pessoa de Fulano.

Tais são a vida e a morte do animal mortal e racional Fulano. Mas quando Boécio confessou que é este animal, a Sabedoria lhe respondeu que este homem, Fulano, duvidava de quem ele era. É neste ponto onde devemos nos separar dos “positivistas”, materialistas” ou “sentimentalistas” (coloco entre aspas estas duas palavras porque “matéria” é o que é “sentido”). Tenhamos presente a definição do homem como “corpo, alma e espírito”. O Vedanta afirma que o único ser verdadeiro do homem é espiritual, e que este ser não está no Fulano nem em nenhuma “parte” dele, sendo que apenas o reflete. Afirma, em outras palavras, que este ser não está no plano de Fulano nem está de modo algum limitado pelo campo de Fulano, sendo que se estende deste campo até seu centro, independente dos lugares que adentra. O que ocorre durante a morte, então, acima da desintegração de Fulano, é uma retirada do espírito do veículo fenomênico do qual ele havia sido durante a “vida”. Por conseguinte, falamos com exatidão mais estrita quando nos referimos à morte como uma “entrega do espírito” ou quando dizemos que Fulano “expirou”. É necessário relembrar, apenas entre parêntesis, que este “espírito” não é um espírito no sentido do espiritismo, nem uma “personalidade supervivente”, mas sim um princípio puramente intelectual tal como do qual onde são feitas as idéias, é “espírito” no sentido em que é o espírito o Espírito Santo. Assim, na morte, o pó retorna ao pó e o espírito à sua fonte.

Após a morte de Fulano há duas possibilidades, as quais são aproximadamente as implicadas pelas expressões familiares de “salvo” ou “condenado”. A consciência do ser de Fulano esteve centrada em si mesma e deve perecer com ele, o bem estava centrado em seu espírito e parte com ele. É o espírito, como expressam os textos vedânticos, que se “recolhe” quando alma e corpo se separam. Suponhamos que nossa consciência do ser estava concentrada no espírito, podemos dizer que quanto mais completamente formos “participantes do que somos”, ou “despertados”, antes da dissolução do corpo, tão mais próximo do centro do campo será nossa próxima aparição ou “renascimento”. A morte da nossa consciência do ser não vai a nenhuma parte que não está agora.

Depois consideraremos o caso daquele cuja consciência do ser foi despertada agora, mas será antes dos nossos últimos vinte e um passos ou níveis de referência e para quem quer apenas um vigésimo segundo passo. Agora vamos considerar apenas o primeiro passo. Se efetuamos este passo antes de morrer – se estamos vivendo em algum grau “no espírito” e não meramente como animais racionais – teremos cruzado, quando o corpo e alma se separarem no cosmo, o primeiro dos lugares ou circunferências que encontraremos entre nós e o Espectador central de todas as coisas, o Sol Supernal, o Espírito e a Verdade. Iremos ver o ser em um novo contorno, onde, por exemplo, poderá haver todavia uma duração, mas não em nosso sentido de presente do tempo. Não seremos levados com nenhum dos nossos aparatos psicofísicos que poderiam ser inerentes de uma memória sensível. Sobreviveriam apenas as “virtudes intelectuais”. Isso não é a supervivência de uma “personalidade” (a qual foi uma propriedade deixada quando partimos); é o ser continuado da mesma pessoa de Fulano, sem carregar as mais grosseiras das definições anteriores de Fulano. Teremos cruzado sem interrupção a consciência do ser.

Desta forma, por uma sucessão de mortes e renascimentos, todos os lugares podem ser ultrapassados. A vida que seguiremos será a do raio, o raio espiritual que nos liga com o Sol central. É a ponte única que cruza o rio da vida que separa uma orelha da outra. A
palavra “ponte” aqui é usada deliberadamente, pois ela é “mais afiada que o fio da navalha”, a ponte de Cinvant de Avesta, a “ponte do horror”, familiar ao folclorista, cuja qual nada além do herói pode passar, uma ponte de luz consubstancial como sua fonte. O Veda expressa “Eu sou a Ponte” – uma descrição que corresponde à cristã “Eu sou o caminho”. Terá se adivinhado que o passo nesta ponte se constitui por etapas que são definidas por seus pontos de intersecção com nossas vinte e uma circunferências, o que é chamado propriamente de transmigração ou regeneração progressiva. Cada passo desta via está marcado por uma morte própria e anterior a “si mesma”, e por um renascimento consecutivo e imediato de “outro homem”. Devo interpolar aqui que esta exposição foi inevitavelmente simplificada. Foi distinguido as direções de moção, uma circular e determinada, a outra centrípeta e livre, mas o que não foi deixado claro é que seu resultado pode ser indicado propriamente apenas por um espiral.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Sobre o Não-Ser

O ponto chave dos erros de Guénon - que até hoje ninguém neste mundo parece ter enxergado, nem mesmo seus concorrentes da escola schuoniana - é de natureza puramente metafísica: está na sua doutrina do Não-Ser e das ‘possibilidades de não-manifestação’. Esclarecida e derrubada essa doutrina intrinsecamente absurda, manifestam-se os verdadeiros pontos de discordância entre cristianismo e guénonismo, bem como sua via de conciliação. Explico isto mais extensamente em meu Diário Filósofico. – Olavo de Carvalho, nota de rodapé em “O Jardim das Aflições”

Primeiramente, porque Olavo considera absurda a doutrina do Não-Ser e das possibilidades de não-manifestação? Isso pode ser explicado através de outra explicação de Olavo:

E Deus? Se imaginarmos um Deus transcendente ao universo, um Deus que não fosse o próprio Universo, mas que estivesse fora dele, estaria Ele fora necessariamente e sempre, ou seria um aspecto transcendente do próprio Universo? Ora, é claro que Ele é um aspecto do Universo que não pode se reduzir a nenhuma de suas partes e que é de certa forma transcendente a si mesmo, porque inclui toda a possibilidade ainda não realizada no universo físico. Essa possibilidade existe, e ela tem de se autoconhecer. Imagine se assim não fosse: a possibilidade transcendente que desconhece a si mesma e que só nós, seres humanos, conhecemos…Logo, é claro que o Universo se conhece. A parte dele que se conhece mas que não está realizada ainda, e que talvez não se realize nunca, nós chamamos de aspectos transcendentes de Deus. Para ser transcendente, não é preciso ser transcendente a tudo. - Olavo de Carvalho

Ora, as possibilidades de manifestação e as impossibilidades de manifestação, juntas, compõem o domínio propriamente dito do Ser, nada sobrando para além dele senão um conceito vazio. Na verdade a expressão Não-Ser só vale como figura de linguagem, para designar os aspectos superiores e mais sublimes do Ser mesmo, seu lado misterioso e eternamente desconhecido, ou imanifestado, portanto qualidades do Ser e não uma outra entidade substancialmente distinta. Creio que o próprio Guénon não ignorava isso. Alguns de seus colaboradores preferiram mesmo usar em vez de Não-Ser a expressão Supra-Ser para designar o Brahman, o eternamente imanifestado, distinguindo-o de Ishwara, o Ser manifestado. Isso basta para eliminar toda confusão a respeito. - Olavo de Carvalho, Diário Filosófico

Quando se usa a expressão ’ser supremo’, se altera totalmente aquilo que Deus é: origem de todos os seres. Por que existe o ser e não antes o nada? Se se coloca essa pergunta, existe um ser, um nada, e uma causa. Essa causa não é nem um ser, nem o nada. Isso jamais foi contestado. A existência de Deus é inerente à própria existência. O poder que gera a existência não é uma primeira causa que está atrás de uma série de causas. Ele é inerente à existência mesma. A primeira causa já seria um ser, já seria uma existência. Se você enxerga Deus como a possibilidade da existência, não se pode usar a palavra ’ser’ para Deus. Todo religioso tem de saber disso. A pessoa que não é capaz de raciocinar em termos da totalidade da existência, evidentemente não pode entender do que estão falando, aí ela inventa uma coisa chamada ’ser supremo’, um ’serzão’, que não é a definição de Deus. Isso virou um ser que cria outros seres. Mas então, quem criou o primeiro ser? Deus é a possibilidade universal, a onipotência. Se você o define como ’ser’ e tem de provar a existência ou inexistência do mesmo, você está num mato sem cachorro. Seriamente falando, não se discute a existência de Deus. A existência está sempre presente. Conceber a possibilidade hipotética da inexistência de tudo é a condição de perceber o poder da existência, a presença da existência. E perceber essa existência é perceber Deus. Os ateus não acreditam num ’ser supremo’, mas acreditam na existência. Sendo assim, eles não são ateus. A discussão entre ciência e religião é muito primária, é uma vergonha. A onipotência, a presença da experiência está aí, mas você não pode obrigar uma pessoa a olhar para lá, não se pode provar nada.
- Olavo de Carvalho

Para resumir a doutrina do Não-Ser, antes de começar a defender o ponto de Guénon criticado por Olavo, podemos dizer da seguinte forma: o Não-Ser é todo atributo divino que jamais se manifestará, como a unicidade. A afirmação que Deus não é pode parecer absoluta a princípio, mas, quando esclarecemos o que Guénon entendia como o Não-Ser, bem como buscamos nas fontes da Tradição, a base das pesquisas de Guénon, notamos que Guénon não estava distante do Cristianismo nem da Tradição no que diz respeito a essa doutrina.

…Para designar o que está assim fora e além do Ser, estamos obrigados, na falta de outro termo, a chamá-lo Não-Ser; e esta expressão negativa, que, para nós, não é, em nenhum grau, sinônimo de «nada» como parece sê-lo na linguagem de alguns filósofos, além de estar diretamente inspirada pela terminologia da doutrina metafísica extremo-oriental, está suficientemente justificada pela necessidade de empregar uma denominação qualquer para poder falar disso, junto à precisão, feita já mais atrás, de que as idéias mais universais, sendo as mais indetermináveis, não podem expressar-se, na medida em que são expressáveis, senão por termos que são, com efeito, de forma negativa, assim como vimos no que concerne ao Infinito… - René Guénon, Estados Múltiplos do Ser - Cap. III

Que diversos padres cristãos escolheram a via apofática para tratar de Deus não é segredo a ninguém.

…Não tem corpo, nem figura, nem qualidade, nem quantidade, nem peso. Não está em nenhum lugar. Nem a vista nem o tato o percebem. Não sente nem a alcançam os sentidos. Não sofre de desordem nem perturbação procedente de paixões terrenas. Que os acontecimentos sensíveis não a escravizam nem a reduzem à impotência. Não necessita de luz. Não experimenta mudança, nem corrupção, nem decaimento. Não se lhe acrescentar ser, nem ter, nem coisa alguma que caia sob o domínio dos sentidos… -Dionísio Areopagita. Teologia Mística, Cap.1

E no budismo:

…Desta maneira, Shariputra, na vacuidade não há forma, não há emoção, não há percepção, não há manifestação, não há consciência; não há olho, não há ouvido, não há nariz, não há língua, não há corpo, não há mente; não há aparência, não há audição, não há olfato, não há paladar, não há tato, não há darmas, não há datu da visão, e assim por diante até chegarmos a: não há datu da mente, não há datu de darmas, não há datu da consciência da mente; não há ignorância, não há extinção da ignorância, e assim por diante até chegarmos a : não há velhice e morte, não há fim para a velhice e a morte; não há sofrimento, não há origem para o sofrimento, não há cessação do sofrimento, não há caminho, não há sabedoria, não há realização,e não há não-realização… - Sutra do Prajnaparamita

O que Olavo quis dizer com “… Creio que o próprio Guénon não ignorava isso. Alguns de seus colaboradores preferiram mesmo usar em vez de Não-Ser a expressão Supra-Ser para designar o Brahman, o eternamente imanifestado, distinguindo-o de Ishwara, o Ser manifestado. Isso basta para eliminar toda confusão a respeito…” ? Aqui, precisamos fazer uma ressalva importante: a idéia de dois Brahmans, apara Brahman e para Brahman, um manifestado e condicionado por Maya (apara Brahman), outro o ser transcendental e livre de toda dualidade (para Brahman), não é uma idéia criada por Guénon, mas sim presente no hinduísmo. Costuma-se dizer que ao tentar qualificar para Brahman com qualquer atributo, ainda que infinitos, já não está mais se tratando de para Brahman, mas sim de apara Brahman. Outra vez, temos o que pode parecer um absurdo ou uma contradição gritante, e de fato, aos mais acostumados ao aristotelismo, essas exposições do hinduísmo soam absurdas. No entanto, faz-se mister relembrar que Guénon era um expositor da doutrina Tradicional, e seu fundamento era a Tradição, que lhe dá boa razão, vejamos alguns exemplos:


O que não pode ser visto chamamos invisível

O que não pode ser escutado, inaudível

Quando tocamos e não sentimos, dizemos que é impalpável.

Esses três objetos não podem ser sondados

desta forma, confundem-se e são considerados como uno..


…Sua origem está lá onde não existe qualquer ser.

Sua forma é sem forma, sua figura sem figura.

Ele é o indeterminado… - Tao Te King, 14

Com relação a Ele não há antes, nem depois; nem alto nem baixo; nem perto, nem longe, nem como, nem o que, nem onde, nem estado, nem sucessão de instantes, nem tempo, nem espaço, nem ser. Ele é tal como é. Ele é o Único sem necessidade da Unidade. Ele é o singular sem necessidade da Singularidade. - Ibn Arabi, Tratado da Unidade


Prosseguindo, portanto, em nossa ascensão, afirmamos que [a Causa] não é alma, nem inteligência, não possui imaginação, nem opinião, nem palavra, nem pensamento, não é palavra ou pensamento; não é objeto de discurso, nem de pensamento; não é número nem ordem, nem grandeza, nem pequeneza, nem igualdade, nem desigualdade, nem semelhança, nem dessemelhança; não está parada nem se move, não repousa, não possui uma força, nem é uma força; não é luz, não vive e não é vida; não é essência, nem eternidade, nem tempo; não admite sequer um contato inteligível; não é ciência, nem verdade, nem reino, nem sabedoria; não é uno, nem unidade, nem divindade, nem bondade, não é tampouco espírito, segundo sabemos; não é filiação, nem paternidade, nem quaisquer das coisas que podem ser conhecidas por nós ou por qualquer outro ser; não é nenhum dos não-seres e nenhum dos seres, nem mesmo os seres conhecem-Na enquanto existe; [a Causa] tampouco conhece os seres enquanto seres. Não é razão, nome ou conhecimento, não é treva, nem luz; erro ou verdade; não se Lhe aplicam afirmações ou negações: quando negamos ou afirmamos os seres que Lhe são posteriores, não A afirmamos, nem A negamos. A Causa perfeita e unitária de todas as coisas está acima de toda afirmação, e a excelência dAquele, que está absolutamente separado de tudo que supera toda negação. - Teologia Mística, São Dionísio o Aeropagita, Tradução de Marco Lucchesi, Editora Fissus, 2005, Rio de Janeiro.

A exposição de Guénon está completamente de acordo com o Advaita Vedanta. Swami Krishnananda explica que o universo é a negação de Brahman, um Brahman distorcido. Shankara ensina que o mundo aparece como real assim como uma corda é confundida com uma cobra. Enquanto a ilusão se faz presente, aquele cordão é para o vidente uma cobra real, mas quando a ilusão se esvai, a cobra deixa de ser real. O mesmo se passa com o mundo manifestado. Dois poderes de Maya, o da extensão e limitação, trazem a existência do mundo. O da extensão ao criar uma existência isolada, que atribui o testemunho do ser, a divisão entre vidente e a visão, e a limitação ao dividir o eterno do mundo, que é a causa do samsara.

No plano samsárico, e portanto segundo a interpretação temporal, um homem ignorante é aquele descrito como o sujeito que, após nascer, não consegue compreender que a lei do mundo é dukkha, que não pode ver sua origem, nem se libertar disso ou seguir pelo caminho que a liberação é obtida: a ignorância é desta forma a ignorância das quatro verdades de ariyan. Ao ser determinado por asava, pela intoxicação ou mania, essa ignorância particular estabelece um estado samsárico de existência e determina o substratum (upadhi) que lhe protege. - Julius Evola, A Doutrina do Despertar

No planos de existência mundana (vyavaharika satta) e ilusória (paramartikha satta), ocorre esse jogo entre extensão e limitação, lilla, o jogo divino. Ora, se Maya é o upadhi (substrato) de Iswara, então Iswara é a aparição pessoal de Brahman. Como Guénon considerava o Advaita a exposição Metafísica mais precisa, é de se entender a importância de sua distinção entre o Ser e o Não-Ser. Destarte, não se pode acusar Guénon de possuir uma teoria intrinsecamente absurda sem utilizar o mesmo rigor que Ramanuja utilizou ao tentar refutar o Advaita e lançar as bases para o seu Advaita qualificado, o Vishistadvaita. Até porque, mesmo o ramo heterodoxo do Advaita, o neoadvaita, consegue boas refutações às objeções de Ramanuja, portanto, não parece que Guénon adotou uma linha absurda ou heterodoxa do hinduísmo. A idéia de um princípio manifestado e outro imanifestado superior não é estranha ao hinduísmo.

O problema pode aparecer, de fato, ao tentar familiarizar esta doutrina com o Cristianismo; no entanto, este tema merece um estudo rigoroso e detalhado para si, pois enquanto até algumas passagens de Santo Agostinho parecem um obscuro encontro com o Advaita, e outras de São Dionísio, São Gregório Nazianzeno, Mestre Eckhart e outros místicos cristãos parecem estar de pleno acordo, outras idéias como a deificação e distinção entre essência e energia da Teologia Ortodoxa demonstram uma completa negação ao Advaita. Para finalizar, um trecho de “O Homem e Seu Devir Segundo o Vedanta”, de René Guénon, que ilustra muito bem o que foi tratado aqui.

Lembraremos que tudo o que concerne a este estado incondicionado de Atmâ é expresso sob uma forma negativa; isto é fácil de compreender, pois, na linguagem, toda afirmação direta é forçosamente uma afirmação particular e determinada, a afirmação de algo que exclui outra coisa, e que assim limita aquilo que podemos afirmar . Toda determinação é uma limitação, portanto uma negação; por conseguinte, é a negação de uma determinação que é uma verdadeira afirmação, e os termos de aparência negativa que encontramos aqui são, em seu sentido real, eminentemente afirmativos.

De resto, o termo “Infinito”, cuja forma é semelhante, exprime a negação de todo limite, de sorte que ele equivale à afirmação total e absoluta, que compreende ou abarca todas as afirmações particulares, mas que não é nenhuma delas com a exclusão das demais, precisamente porque ela implica a todas igualmente e “não-distintivamente”; e é assim que a Possibilidade Universal compreende absolutamente todas as possibilidades. Tudo o que pode exprimir-se em forma afirmativa está necessariamente encerrado no domínio do Ser, pois este é em si a primeira afirmação ou a primeira determinação, aquela da qual procedem todas as outras, assim como a unidade é o primeiro dos números e o número do qual todos derivam; mas, aqui, estamos na “não-dualidade”, e não mais na unidade, ou, em outros termos, estamos além do Ser, pelo fato mesmo de estarmos além de toda determinação, ainda que principial.

René Guénon, O Homem e Seu Devir Segundo o Vedanta, Cap.XV

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