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quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dos Caminhos Espirituais da Grande Síntese





À Aristocracia do Espírito:

Saudações nacional-bolcheviques a todos!

Trataremos hoje de um assunto capaz de deixar os confrades mais conservadores de cabelo em pé, muito embora aqueles que me acompanham já tenham notado minha preferência por misturar niilistas como Carlo Michelstaedter, além de revolucionários de toda sorte, com as doutrinas não-dualistas.

Em primeiro lugar, faz-se mister relatar aqui as semelhanças existentes entre as doutrinas não-dualistas e o ódio ao mundo e à realidade comuns entre movimentos que vão desde o romantismo até o niilismo dadaísta e o futurismo de Papini. Portanto, não há nada de contraditório em afirmar-se admirador e inserir numa mesma doutrina estes elementos modernos com as milenares tradições não-dualistas, principalmente as orientais.

Pois então reparem na semelhança entre este poema de Carlo Michelstaedter com um trecho do Tao:

Io son solo, lontano, io son diverso—
altro sole, altro vento e più superbo
volo per altri cieli è la mia vita . . .
Ma ora qui che aspetto, e la mia vita
perché non vive, perché non avviene?
Che è questa luce, che è questo calore,
questo ronzar confuso, questa terra,
questo cielo che incombe? M'è straniero
l'aspetto d'ogni cosa, m'è nemica
questa natura! basta! voglio uscire
da questa trama d'incubi! la vita!
la mia vita! il mio sole!

=

A massa está radiante
Como na alegria da festa sagrada
Como a subir nos altos na primavera
E só eu hesitante não recebi sinais auspíciosos
Como um recém-nascido que não sabe brincar
Uma marionete sem saber para onde voltar.

A massa tem o supérfluo
E só eu sou como esquecido.
Eu, com um coração idiota
Confuso e obscuro.
As pessoas são brilhantes
E só eu sou ofuscado e tolo.
As pessoas são vibrantes
E só eu sou melancólico.

Irrequieto como o mar
Rodopiando como o vento sem lugar.

A massa tem suas metas
E só eu sou teimoso e tosco.

Mas só eu sou diferente dos outros
Pois honro a Mãe nutriente.
(Tao Te Ching, cap. XX)

Aqui, podem nos perguntar, porque desejamos harmonizar doutrinas aparentemente contraditórias. Entretanto, não buscamos harmonizar coisa alguma. Não desejamos transformar um monge budista ou cristão ortodoxo num militante dadaísta, porém, devido ao excesso de teia de aranha presente principalmente em tradicionalistas mais interessados
em imitar o estilo de seus próceres que buscar um agir político eficiente, torna-se de capital importância revigorar e trazer um novo sopro na ação política daqueles que desejam o renascimento das sociedades tradicionais. Outros perguntarão se não estamos exagerando nessa síntese, mas ora: é sabido que Evola foi capaz de inserir autores como Weininger e o próprio Michelstaedter na Tradição. Ainda podemos nos lembrar de Alexander Dugin, que trouxe os conceitos de via da mão direita e esquerda em uma nova abordagem. É notório como Alexander Dugin conseguiu mais influência política que os guenonianos reunidos em eternas convenções, buscando discutir assuntos já superados, sempre regados a bastante rosquinhas e chá de camomila.

Qual é, portanto, o ponto principal desta síntese? Antes de qualquer coisa, é interessante notar como o não-dualismo é predominante entre shaivistas, enquanto o não-dualismo qualificado e o dualismo (uma das mais deficientes exposições metafísicas existentes) são predominantes entre vaishnavas. Isso ocorre devido ao caráter destruidor e renovador de Shiva, enquanto o caráter de Vishnu é conservador e sustentador. A diferença, em fim último, é clara: enquanto o vaishnava se contenta com a apreciação criador-criatura em Vaikunta, o shivaísta deseja e busca moksha, o estado sem dualidades, sem qualquer distinção, onde avidya é eliminada para dar cabo nas ilusões de expansão de limitação de Maya. Julius Evola, ao justificar sua atração pelo dadaísmo, afirmou que o dadaísmo era "a defesa de uma visão de mundo do impulso rumo a uma liberação absoluta através da subversão de todas categorias lógicas, éticas e estéticas, manifestadas sob formas paradoxais e desconcertantes."

A liberação através do choque e de impulsos traumatizantes existe nas doutrinas orientais. Gurdjieff sujeitava alguns de seus discípulos as mais pesadas humilhações e experiências traumáticas, como os freqüentes afogamentos em seu castelo. O Tantra da mão esquerda da Caxemira também busca a realização através de intoxicação e rituais inaceitáveis pelo shastra de toda a Índia.

Mas como sintetizar o ódio ao mundo de Papini, ou ainda ao niilismo de Michelstaedter com o Advaita Vedanta? Em primeiro lugar, como já dito aqui, é preciso notar que buscamos uma síntese, portanto, não é nossa obrigação buscar uma total concórdia entre doutrinas discrepantes. Neste caso, o que pretendemos é sintetizar estes movimentos modernos com as doutrinas orientais em busca de uma ação política eficiente, que siga os princípios alquímicos de solve et coagula: primeiro, é necessário derrubar a ordem vigente, no entanto, os movimentos modernos falharam pela falta de uma base metafísica capaz de sustentar toda a agonia e revolta contra a realidade que criaram. E para utilizar a Tradição de forma eficiente, primeiro é necessário destruir todas as bases da civilização moderna, tanto as bases clássicas (democracia parlamentar, Estado de Direito, etc) como as progressistas (movimentos igualitários, direito de minorias, etc). Nas sábias palavras de Alexander Dugin, é necessário curar com o próprio veneno: toda a estrutura da realidade deve ser subvertida numa revolta do espírito contra a realidade objetiva, que sufoca aqueles que tem sede por estágios supra individuais. Não é curioso notar como diversas bandas de Heavy Metal, movimento identificado com a rebeldia, fazem louvores às batalhas medievais, dedicando diversos trabalhos ao assunto?

Dentro da Grande Síntese, é necessário utilizar o caminho aberto pela subversão niilista para ocupar espaço com a Metafísica Oriental. Duvidamos que Michelstaedter não se sentiria atraído pelo Âtma Bodha de Shankara. Ou Papini, em seu ódio contra a realidade que oprime, não se sentiria atraído pela possibilidade de liberação de toda dualidade, resultante num estado além de todo estado?


Assim, supinos confrades, destacamos o caminho espiritual da Grande Síntese como um traço a ser percorrido entre a revolta contra a realidade já comum no Ocidente com a implantação de uma sustentação metafísica, preferencialmente da Metafísica Oriental. Com isso será possível destruir todo o caráter telúrico existente na sociedade moderna, para atingir o novo homem, o tipo idealizado pela Guarda de Ferro e seu Capitão Codreanu, a figura do asceta guerreiro.



Antes, será necessário todo este processo alquímico, em busca da remoção de todos os vícios e limitações impostos ao homem moderno. Como no Vamachara Tantra, a liberação virá pela intoxicação. Terminamos pois citando Alexander Dugin, o que melhor compreendeu a transformação da Tradição numa geografia sacra, num campo que não se resume apenas ao combate iniciação versus contra-iniciação, mas sim da reedição da eterna luta miguélica contra Satanás e os anjos decaídos. O combate ocorre no tempo, mas os lutadores combatem na eternidade. É preciso que encarnemos Dhumavati: não somos demoníacos, mas o aspecto deve ser terrível mesmo aos demônios.












"Comme les heritiers veritables de Heraclite, les NB aporteront le FEU sur la terre, et leur Cause irrationelle humiliera la sagesse de ce monde, de la societe ouverte de ces etres qui ne sentent aucune nostalgie des Origines, aucune douleur existencielle d'etre separe de l'Etre Pur, aucun soif de l'initiation et de la realisation espirituelle. Au dela de la gauche et de la droite, la Revolution une et indivisible dans la trinite impossible qui uni dialectiquement Troisieme Rome, Troisieme Reich et Troisieme International. Regnum des NB, leur Empire de la Fin s'est la realisation parfaite de la plus grande Revolution, continentale et universelle. C'est le retour des Anges, la ressurection des Heros, la revolte du Coeur contre la dictature de la Raison. Cette DERNIERE REVOLUTION est affaire de l'Acephal, de l'Acephal porteur de la Croix, du Faucil et du Marteau, couronne par la Svastica Eternelle!"Aleksandr Dugin

segunda-feira, 16 de março de 2009

Sobre o Não-Ser

O ponto chave dos erros de Guénon - que até hoje ninguém neste mundo parece ter enxergado, nem mesmo seus concorrentes da escola schuoniana - é de natureza puramente metafísica: está na sua doutrina do Não-Ser e das ‘possibilidades de não-manifestação’. Esclarecida e derrubada essa doutrina intrinsecamente absurda, manifestam-se os verdadeiros pontos de discordância entre cristianismo e guénonismo, bem como sua via de conciliação. Explico isto mais extensamente em meu Diário Filósofico. – Olavo de Carvalho, nota de rodapé em “O Jardim das Aflições”

Primeiramente, porque Olavo considera absurda a doutrina do Não-Ser e das possibilidades de não-manifestação? Isso pode ser explicado através de outra explicação de Olavo:

E Deus? Se imaginarmos um Deus transcendente ao universo, um Deus que não fosse o próprio Universo, mas que estivesse fora dele, estaria Ele fora necessariamente e sempre, ou seria um aspecto transcendente do próprio Universo? Ora, é claro que Ele é um aspecto do Universo que não pode se reduzir a nenhuma de suas partes e que é de certa forma transcendente a si mesmo, porque inclui toda a possibilidade ainda não realizada no universo físico. Essa possibilidade existe, e ela tem de se autoconhecer. Imagine se assim não fosse: a possibilidade transcendente que desconhece a si mesma e que só nós, seres humanos, conhecemos…Logo, é claro que o Universo se conhece. A parte dele que se conhece mas que não está realizada ainda, e que talvez não se realize nunca, nós chamamos de aspectos transcendentes de Deus. Para ser transcendente, não é preciso ser transcendente a tudo. - Olavo de Carvalho

Ora, as possibilidades de manifestação e as impossibilidades de manifestação, juntas, compõem o domínio propriamente dito do Ser, nada sobrando para além dele senão um conceito vazio. Na verdade a expressão Não-Ser só vale como figura de linguagem, para designar os aspectos superiores e mais sublimes do Ser mesmo, seu lado misterioso e eternamente desconhecido, ou imanifestado, portanto qualidades do Ser e não uma outra entidade substancialmente distinta. Creio que o próprio Guénon não ignorava isso. Alguns de seus colaboradores preferiram mesmo usar em vez de Não-Ser a expressão Supra-Ser para designar o Brahman, o eternamente imanifestado, distinguindo-o de Ishwara, o Ser manifestado. Isso basta para eliminar toda confusão a respeito. - Olavo de Carvalho, Diário Filosófico

Quando se usa a expressão ’ser supremo’, se altera totalmente aquilo que Deus é: origem de todos os seres. Por que existe o ser e não antes o nada? Se se coloca essa pergunta, existe um ser, um nada, e uma causa. Essa causa não é nem um ser, nem o nada. Isso jamais foi contestado. A existência de Deus é inerente à própria existência. O poder que gera a existência não é uma primeira causa que está atrás de uma série de causas. Ele é inerente à existência mesma. A primeira causa já seria um ser, já seria uma existência. Se você enxerga Deus como a possibilidade da existência, não se pode usar a palavra ’ser’ para Deus. Todo religioso tem de saber disso. A pessoa que não é capaz de raciocinar em termos da totalidade da existência, evidentemente não pode entender do que estão falando, aí ela inventa uma coisa chamada ’ser supremo’, um ’serzão’, que não é a definição de Deus. Isso virou um ser que cria outros seres. Mas então, quem criou o primeiro ser? Deus é a possibilidade universal, a onipotência. Se você o define como ’ser’ e tem de provar a existência ou inexistência do mesmo, você está num mato sem cachorro. Seriamente falando, não se discute a existência de Deus. A existência está sempre presente. Conceber a possibilidade hipotética da inexistência de tudo é a condição de perceber o poder da existência, a presença da existência. E perceber essa existência é perceber Deus. Os ateus não acreditam num ’ser supremo’, mas acreditam na existência. Sendo assim, eles não são ateus. A discussão entre ciência e religião é muito primária, é uma vergonha. A onipotência, a presença da experiência está aí, mas você não pode obrigar uma pessoa a olhar para lá, não se pode provar nada.
- Olavo de Carvalho

Para resumir a doutrina do Não-Ser, antes de começar a defender o ponto de Guénon criticado por Olavo, podemos dizer da seguinte forma: o Não-Ser é todo atributo divino que jamais se manifestará, como a unicidade. A afirmação que Deus não é pode parecer absoluta a princípio, mas, quando esclarecemos o que Guénon entendia como o Não-Ser, bem como buscamos nas fontes da Tradição, a base das pesquisas de Guénon, notamos que Guénon não estava distante do Cristianismo nem da Tradição no que diz respeito a essa doutrina.

…Para designar o que está assim fora e além do Ser, estamos obrigados, na falta de outro termo, a chamá-lo Não-Ser; e esta expressão negativa, que, para nós, não é, em nenhum grau, sinônimo de «nada» como parece sê-lo na linguagem de alguns filósofos, além de estar diretamente inspirada pela terminologia da doutrina metafísica extremo-oriental, está suficientemente justificada pela necessidade de empregar uma denominação qualquer para poder falar disso, junto à precisão, feita já mais atrás, de que as idéias mais universais, sendo as mais indetermináveis, não podem expressar-se, na medida em que são expressáveis, senão por termos que são, com efeito, de forma negativa, assim como vimos no que concerne ao Infinito… - René Guénon, Estados Múltiplos do Ser - Cap. III

Que diversos padres cristãos escolheram a via apofática para tratar de Deus não é segredo a ninguém.

…Não tem corpo, nem figura, nem qualidade, nem quantidade, nem peso. Não está em nenhum lugar. Nem a vista nem o tato o percebem. Não sente nem a alcançam os sentidos. Não sofre de desordem nem perturbação procedente de paixões terrenas. Que os acontecimentos sensíveis não a escravizam nem a reduzem à impotência. Não necessita de luz. Não experimenta mudança, nem corrupção, nem decaimento. Não se lhe acrescentar ser, nem ter, nem coisa alguma que caia sob o domínio dos sentidos… -Dionísio Areopagita. Teologia Mística, Cap.1

E no budismo:

…Desta maneira, Shariputra, na vacuidade não há forma, não há emoção, não há percepção, não há manifestação, não há consciência; não há olho, não há ouvido, não há nariz, não há língua, não há corpo, não há mente; não há aparência, não há audição, não há olfato, não há paladar, não há tato, não há darmas, não há datu da visão, e assim por diante até chegarmos a: não há datu da mente, não há datu de darmas, não há datu da consciência da mente; não há ignorância, não há extinção da ignorância, e assim por diante até chegarmos a : não há velhice e morte, não há fim para a velhice e a morte; não há sofrimento, não há origem para o sofrimento, não há cessação do sofrimento, não há caminho, não há sabedoria, não há realização,e não há não-realização… - Sutra do Prajnaparamita

O que Olavo quis dizer com “… Creio que o próprio Guénon não ignorava isso. Alguns de seus colaboradores preferiram mesmo usar em vez de Não-Ser a expressão Supra-Ser para designar o Brahman, o eternamente imanifestado, distinguindo-o de Ishwara, o Ser manifestado. Isso basta para eliminar toda confusão a respeito…” ? Aqui, precisamos fazer uma ressalva importante: a idéia de dois Brahmans, apara Brahman e para Brahman, um manifestado e condicionado por Maya (apara Brahman), outro o ser transcendental e livre de toda dualidade (para Brahman), não é uma idéia criada por Guénon, mas sim presente no hinduísmo. Costuma-se dizer que ao tentar qualificar para Brahman com qualquer atributo, ainda que infinitos, já não está mais se tratando de para Brahman, mas sim de apara Brahman. Outra vez, temos o que pode parecer um absurdo ou uma contradição gritante, e de fato, aos mais acostumados ao aristotelismo, essas exposições do hinduísmo soam absurdas. No entanto, faz-se mister relembrar que Guénon era um expositor da doutrina Tradicional, e seu fundamento era a Tradição, que lhe dá boa razão, vejamos alguns exemplos:


O que não pode ser visto chamamos invisível

O que não pode ser escutado, inaudível

Quando tocamos e não sentimos, dizemos que é impalpável.

Esses três objetos não podem ser sondados

desta forma, confundem-se e são considerados como uno..


…Sua origem está lá onde não existe qualquer ser.

Sua forma é sem forma, sua figura sem figura.

Ele é o indeterminado… - Tao Te King, 14

Com relação a Ele não há antes, nem depois; nem alto nem baixo; nem perto, nem longe, nem como, nem o que, nem onde, nem estado, nem sucessão de instantes, nem tempo, nem espaço, nem ser. Ele é tal como é. Ele é o Único sem necessidade da Unidade. Ele é o singular sem necessidade da Singularidade. - Ibn Arabi, Tratado da Unidade


Prosseguindo, portanto, em nossa ascensão, afirmamos que [a Causa] não é alma, nem inteligência, não possui imaginação, nem opinião, nem palavra, nem pensamento, não é palavra ou pensamento; não é objeto de discurso, nem de pensamento; não é número nem ordem, nem grandeza, nem pequeneza, nem igualdade, nem desigualdade, nem semelhança, nem dessemelhança; não está parada nem se move, não repousa, não possui uma força, nem é uma força; não é luz, não vive e não é vida; não é essência, nem eternidade, nem tempo; não admite sequer um contato inteligível; não é ciência, nem verdade, nem reino, nem sabedoria; não é uno, nem unidade, nem divindade, nem bondade, não é tampouco espírito, segundo sabemos; não é filiação, nem paternidade, nem quaisquer das coisas que podem ser conhecidas por nós ou por qualquer outro ser; não é nenhum dos não-seres e nenhum dos seres, nem mesmo os seres conhecem-Na enquanto existe; [a Causa] tampouco conhece os seres enquanto seres. Não é razão, nome ou conhecimento, não é treva, nem luz; erro ou verdade; não se Lhe aplicam afirmações ou negações: quando negamos ou afirmamos os seres que Lhe são posteriores, não A afirmamos, nem A negamos. A Causa perfeita e unitária de todas as coisas está acima de toda afirmação, e a excelência dAquele, que está absolutamente separado de tudo que supera toda negação. - Teologia Mística, São Dionísio o Aeropagita, Tradução de Marco Lucchesi, Editora Fissus, 2005, Rio de Janeiro.

A exposição de Guénon está completamente de acordo com o Advaita Vedanta. Swami Krishnananda explica que o universo é a negação de Brahman, um Brahman distorcido. Shankara ensina que o mundo aparece como real assim como uma corda é confundida com uma cobra. Enquanto a ilusão se faz presente, aquele cordão é para o vidente uma cobra real, mas quando a ilusão se esvai, a cobra deixa de ser real. O mesmo se passa com o mundo manifestado. Dois poderes de Maya, o da extensão e limitação, trazem a existência do mundo. O da extensão ao criar uma existência isolada, que atribui o testemunho do ser, a divisão entre vidente e a visão, e a limitação ao dividir o eterno do mundo, que é a causa do samsara.

No plano samsárico, e portanto segundo a interpretação temporal, um homem ignorante é aquele descrito como o sujeito que, após nascer, não consegue compreender que a lei do mundo é dukkha, que não pode ver sua origem, nem se libertar disso ou seguir pelo caminho que a liberação é obtida: a ignorância é desta forma a ignorância das quatro verdades de ariyan. Ao ser determinado por asava, pela intoxicação ou mania, essa ignorância particular estabelece um estado samsárico de existência e determina o substratum (upadhi) que lhe protege. - Julius Evola, A Doutrina do Despertar

No planos de existência mundana (vyavaharika satta) e ilusória (paramartikha satta), ocorre esse jogo entre extensão e limitação, lilla, o jogo divino. Ora, se Maya é o upadhi (substrato) de Iswara, então Iswara é a aparição pessoal de Brahman. Como Guénon considerava o Advaita a exposição Metafísica mais precisa, é de se entender a importância de sua distinção entre o Ser e o Não-Ser. Destarte, não se pode acusar Guénon de possuir uma teoria intrinsecamente absurda sem utilizar o mesmo rigor que Ramanuja utilizou ao tentar refutar o Advaita e lançar as bases para o seu Advaita qualificado, o Vishistadvaita. Até porque, mesmo o ramo heterodoxo do Advaita, o neoadvaita, consegue boas refutações às objeções de Ramanuja, portanto, não parece que Guénon adotou uma linha absurda ou heterodoxa do hinduísmo. A idéia de um princípio manifestado e outro imanifestado superior não é estranha ao hinduísmo.

O problema pode aparecer, de fato, ao tentar familiarizar esta doutrina com o Cristianismo; no entanto, este tema merece um estudo rigoroso e detalhado para si, pois enquanto até algumas passagens de Santo Agostinho parecem um obscuro encontro com o Advaita, e outras de São Dionísio, São Gregório Nazianzeno, Mestre Eckhart e outros místicos cristãos parecem estar de pleno acordo, outras idéias como a deificação e distinção entre essência e energia da Teologia Ortodoxa demonstram uma completa negação ao Advaita. Para finalizar, um trecho de “O Homem e Seu Devir Segundo o Vedanta”, de René Guénon, que ilustra muito bem o que foi tratado aqui.

Lembraremos que tudo o que concerne a este estado incondicionado de Atmâ é expresso sob uma forma negativa; isto é fácil de compreender, pois, na linguagem, toda afirmação direta é forçosamente uma afirmação particular e determinada, a afirmação de algo que exclui outra coisa, e que assim limita aquilo que podemos afirmar . Toda determinação é uma limitação, portanto uma negação; por conseguinte, é a negação de uma determinação que é uma verdadeira afirmação, e os termos de aparência negativa que encontramos aqui são, em seu sentido real, eminentemente afirmativos.

De resto, o termo “Infinito”, cuja forma é semelhante, exprime a negação de todo limite, de sorte que ele equivale à afirmação total e absoluta, que compreende ou abarca todas as afirmações particulares, mas que não é nenhuma delas com a exclusão das demais, precisamente porque ela implica a todas igualmente e “não-distintivamente”; e é assim que a Possibilidade Universal compreende absolutamente todas as possibilidades. Tudo o que pode exprimir-se em forma afirmativa está necessariamente encerrado no domínio do Ser, pois este é em si a primeira afirmação ou a primeira determinação, aquela da qual procedem todas as outras, assim como a unidade é o primeiro dos números e o número do qual todos derivam; mas, aqui, estamos na “não-dualidade”, e não mais na unidade, ou, em outros termos, estamos além do Ser, pelo fato mesmo de estarmos além de toda determinação, ainda que principial.

René Guénon, O Homem e Seu Devir Segundo o Vedanta, Cap.XV

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