domingo, 5 de abril de 2009

Xavier Zubiri: A inteligência que sente

A trajetória intelectual de XAVIER ZUBIRI está marcada por um processo de formação aonde intervém a filosofia, a teologia, as ciências (especialmente a física e matemática) e a lingüística. Esta pluralidade de interesses determina sua forma de compreensão do que é a filosofia e de como se deve enfrentar os problemas.
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- O objetivo de filosofia

Apesar de seu claro interesse pela ciência, ZUBIRI considera que esta não resolve os problemas de compreensão da realidade, afirmando que tal compreensão somente é possível a partir da filosofia, a qual qualifica como saber transcendetal.
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Porém, dado que este termo se utilizou de muitas maneiras e em muitos sentidos ao largo da história, converte-se em uma necessidade para o filósofo dar claridade ao significado, constituir seu objeto. Enquanto a ciência analisa o objeto que tem em frente, a filosofia constitui seu próprio objeto e se constitui a si mesma por meio da reflexão. Essa distinção entre ciência e filosofia podemos ver no fragmento seguinte:

"Resultará entonces que esta diferencia radical entre la ciencia y la filosofía no se vuelve contra esta última como una objeción. No significa que la filosofía no sea un saber estricto, sino que es un saber distinto. Mientras la ciencia es un conocimiento que estudia un objeto que está ahí, la filosofía, por tratar de un objeto que por su propia índole huye, que es evanescente, será un conocimiento que necesita perseguir a su objeto y retenerlo ante la mirada humana, conquistarlo. La filosofía no consiste sino en la constitución activa de su propio objeto, en la puesta en marcha de la reflexión. El grave error de Hegel ha sido de signo opuesto al kantiano. Mientras éste desposee, en definitiva, a la filosofía de un objeto propio, haciéndola recaer tan sólo sobre nuestro modo de conocimiento, Hegel sustantiva el objeto de la filosofía haciendo de él todo de donde emergen dialécticamente y donde se mantienen, también dialécticamente, todos los demás objetos.

No es menester, por ahora, precisar el carácter más hondo del objeto de la filosofía y su método formal. Lo único que me importa aquí es subrayar, frente a todo irracionalismo, que el objeto de la filosofía es estrictamente objeto de conocimiento; pero que este objeto es radicalmente distinto de los demás. Mientras cualquier ciencia y cualquier actividad humana considera las cosas que son y tales como son (hos éstin), la filosofía considera las cosas en cuanto son. Dicho en otros términos: el objeto de la filosofía es transcendental, y, como tal, accesible solamente a una reflexión."
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X. Zubiri: Naturaleza, História y Dios

Partindo dessa base o autor começa um labor que implica um esforço de revisão da filosofia e a tentativa de desenvolver seu pensamento de forma sistemática. Para isso, toma em consideração a tradição filosófica que arranca no mundo grego e que em última instância levou a três modos de interpretação: o Cientificismo, o Idealismo e o Realismo. Nenhuma destas formas, tal e como as analisa em Cinco lecciones de Filosofia, permite uma verdadeira compreensão da realidade. Cada um destes enfoques corresponde a uma determinada maneira de compreensão do mundo, próprios de uma determinada etapa histórica. Põem de manifesto, isso sim, um facto fundamental da filosofia: sua historicidade. Porque nenhuma filosofia parte de zero, senão de uma tradição que nos abre possibilidades e nos permite seguir reflectindo.
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ZUBIRI reinterpreta esta tradição com o apoio das linhas de investigação empreendidas por HUSSERL e HEIDEGGER, autores com os que completou sua formação. Do primeiro tem em conta a necessidade do retorno a las cosas mismas e o segundo, o replanteamiento del estudio del ser, elementos que influíram na elaboração de seu pensamento.
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Considera que existiram, na história do pensamento, dois modelos fundamentais de entender a realidade. Em primeiro lugar, o modelo grego cuja questão fundamental, sobretudo a partir de PARMÊNIDES, era o estudo do ser, que culmina com ARISTÓTELES com a identificação entre essência e sustância. O segundo, o modelo cristão, cujo ingrediente básico é a interpretação da origem da realidade baixo a forma de um "acto criador"; o que faz com que o pensamento transforme-se fundamentalmente teológico, já que é a partir da realidade divina como deve interpretar-se todo o existente. Nesse fragmento de outra obra de ZUBIRI podemos ver de maneira resumida essa explicação:

"Mientras las metafísicas cristianas, salvo en puntos concretos, absorben, depuran y elevan la metafísica griega, en cambio rompen con esta por su idea del mundo. Y ante todo por la raíz de este: el mundo está creado. Este es su carácter formal e intrínseco del mundo en cuanto tal. Mundo es entonces la totalidad del ente creado qua creado. Con ello, la metafísica se convierte en teoría de la creación."
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X. Zuburi: Sobre la esencia

Ainda que considera que o pensamento grego é um elemento fundamental da tradição, - afirma que nós "somos los griegos" demonstrando o valor que dá ao pensamento clássico -, e apesar de que mantém proposições de caráter religioso respeito à fundamentação última, nenhum dos dois modelos o convence. Considera que a filosofia atual tem o desafio de ser "pura" filosofia, sem ingredientes teológicos e, dessa forma, sem ataduras rígidas do conceptualismo de origem grego. Afirma que a função da filosofia é a aprehensión de la realidad, a captação de um objeto que vai mais além, que transcende o imediato. A capacidade desta compreensão é o que constitui o acto distintivo humano: entender a realidade. Aqui está a chave.
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- A Inteligência que sente
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Defende que é necessário retornar a um ponto-chave da filosofia grega. Com PARMÊNIDES cortou-se a interpretação da realidade definitivamente, de acordo com os valores dado as duas distintas formas de conhecimento: inteligência e sentido. A sobrevalorização que se produz a partir desse momento à inteligência, leva consigo a consideração conceptualista da realidade e, no melhor dos casos, a uma função subsidiária dos sentidos. ZUBIRI, pelo contrário, considera que entender e sentir, inteligência e sensibilidade, não são duas coisas ou faculdades separadas. Não pode dar-se uma sem a outra. Ambas são formas de "aprehender la realidad como algo de suyo", como algo que tem entidade em si mesmo. Desta forma o entender é captar as coisas reais e este captar é "sentiente".

"el hombre echa mano de una función completamente distinta de la función de sentir: hacerse cargo de la situación estimulante como una situación y una estimulación «reales». La estimulación ya no se agota entonces en su mera afección al organismo, sino que independientemente de ella, posee una estructura «de suyo»: es realidad. Y la capacidad de habérselas con las cosas como realidades es, a mi modo de ver, lo que formalmente constituye la inteligencia. Es la habitud radical y específica del hombre."

X. Zubiri: El hombre, realidad personal

É daí que ZUBIRI afirma que o ser humano possui uma "inteligencia sentiente", que é o que o caracteriza e distingue frente aos demais animais. Os outros animais também sentem, mas o ser humano ademais, "se sente en un mundo de cosas". Nisso consiste sua inteligência: a capacidade de abertura à realidade. Esse é o traço mais característico do ser humano. Através dessa forma de inteligência entra em contato com as coisas e as entende como realidade. Sua tarefa é fazer-se responsável da realidade. Aquilo que lhe afeta se converte em realidade, é dizer, em algo que é seu. Somente com posteridade se pode distinguir distintos passos na elaboração intelectual desta intelecção. Desde um primeiro momento, aquilo que se capta enquadra-se em um campo, quero dizer, se entende o apreendido como algo entre um conjunto de coisas respeito as quais cobra sua realidade, para ser, finalmente entendida no mundo; ou seja, no conjunto do que há enquanto que é a realidade mesma. Por isso afirma que o homem é um animal de realidades.

- Natureza, homem, Deus

Longe do ponto de vista de PARMÊNIDES e dos demais seguidores de sua solução metafísica, ZUBIRI analisa a realidade, o homem e Deus tratando de encontrar a "constituição física individual" de cada um, já que isso é precisamente sua essência. Frente ao tradicional conceito de essência como definição e conceito de uma coisa, defende que a essência não é uma realidade dentro de uma coisa, "sino la misma cosa", enquanto é real. Prefere utilizar o termo sustantividade (ao menos assim seria a tradução literal ao português) para definir essa realidade constituída. À sustantividade chama o conjunto de "notas" constitutivas de uma realidade que formam um sistema. Um organismo (célula) é uma sustantividade, uma unidade funcional formada por "notas" (os elementos da célula) que formam um sistema. Cada componente perde sua singularidade em função do conjunto, única realidade que tem sentido.

Põe assim as bases de uma nova proposta metafísica que o leva a estudar desde uma nova perspectiva o conjunto do existente, - a natureza, o ser humano e Deus - os três grandes temas da metafísica ocidental. Ao estuda-los trata de descobrir em cada um deles as notas constitutivas, ou seja, aqueles elementos que definem esses objetos enquanto tais, que possuem um caráter físico e não conceitual como na metafísica tradicional.




O Jardim de Quesada, óleo de Rafael Zabaleta. A imagem ilustra esta abertura da qual fala ZUBIRI à realidade. O artista capta a complexidade e a riqueza da vida e a entende frente a seus olhos, a sente, a faz sua ao capta-la.

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