quinta-feira, 30 de abril de 2009

A compreensão direta















Compreensão Direta


Sri Nisargadatta Maharaj (Vedanta Advaita)


"Tudo o que eu digo, você deve apreender diretamente, sem o filtro das palavras. Porque, se aceitamos as palavras, o que ocorre? Baseados nestas palavras, criamos um conceito; e logo, baseados neste conceito, o aceitamos como se fosse o
que nós somos. Criamos uma imagem baseada num certo conceito, que se baseia,
por sua vez, nas palavras que pensamos que estamos escutando. Mas isso não é
jnana. Apenas isso, que se aprende diretamente, é conhecimento.
O conhecimento que tento transmitir não será aceitável para a pessoa
mediana, inclusive se acontece dela estar interessada no conhecimento espiritual. A
razão disso é porque espera algo do ponto de vista do corpo, desde esta identificação
com o corpo. Nesse estado, como um objeto, quer conseguir algo – o conhecimento
como um objeto – o que é impossível, porque o conhecimento é puramente subjetivo.
[...]


Todos vocês mantém um certo conceito, e tudo o que digo vocês tentam
encaixar dentro dos limites deste conceito. Então dizem: “Sim, isto é aceitável para
mim.” Vocês me escutam, uma vez, duas vezes ou várias vezes; então, ao final de
um certo período, chegam a uma conclusão: “eu não me beneficiei muito com as
palavras do Maharaj.” Por que? Porque, com base nas palavras, vocês tentam criar
uma imagem de vocês mesmos. E se o que digo ressoa segundo este conceito, então
dizem: “sim, agora tenho o conhecimento e agora compreendo o que Maharaj disse e
Maharaj tem razão.” Por que? Porque o que digo encaixa com seu conceito.
Gostaria de saber de todos vocês se o que eu digo lhes toca como
verdade e se é benéfico. Repito: quando alguém aqui disse que seria benéfico?
Quando concorda com o conceito que esse alguém ama. Então vocês dizem: “sim, é
benéfico.” E quando não concorda, dizem: “eu sinto, isso não me toca, não é para
mim.”

Nós nos aferramos às palavras e aos significados, esquecendo de que o
que somos é antes do começo, não só das palavras, senão também do primeiro
pensamento básico."

terça-feira, 28 de abril de 2009

Reencarnar


Por Ananda Coomaraswamy




Voltando ao nosso autómata, consideramos o que ocorre em sua morte. O ser composto se desfaz no cosmo; não há nada que pode sobreviver com uma consciência do ser de Fulano. Os elementos da entidade psicofísica se desintegram e passam a outros como um legado. Isto é, na verdade, um processo que ocorre em todo fase da vida do nosso Fulano e é um processo que pode seguir claramente na propagação, repetidamente descrita na tradição hindu como o “renascimento do pai em e como o filho”. Fulano vive em seus descendentes diretos e indiretos. Esta é a suposta doutrina hindu de reencarnação”; a mesma da doutrina grega de metasomatosis e da metempsicosis; é a doutrina cristã da nossa preexistência em Adão “segundo a substância corporal e a virtude seminal”; é a doutrina moderna da “repetição dos caráteres ancestrais”. Somente o ato da transmissão dos caráteres psicofísicos pode tornar inteligível o que é chamado na religião a nossa referência ao pecado original; na metafísica nossa herança é a ignorância, e pela filosofia nossa capacidade congênita de conhecer nos fins o sujeito e objeto. Apenas quando estamos convencidos de que nada acontece por azar teremos entendido a idéia de uma Providência.

Preciso dizer que isso não é uma doutrina de reencarnação? Preciso dizer que nenhuma doutrina de reencarnação, segundo a qual o ser da pessoa de um mesmo homem que viveu uma vez na terra renascerá de outra mãe terrestre, nunca foi ensinada na Índia, nem sequer no budismo – nem na tradição neoplatônica ou em nenhuma outra tradição ortodoxa? Tanto nos Brahmanas como no Antigo Testamento, se afirma com igual contundência que os que partiram uma vez deste mundo, partiram para sempre e que não serão vistos novamente entre os vivos. Tanto no ponto de vista hindu como no ponto de vista platônico, toda mudança é um morrer.

Nós morremos e renascemos diariamente e a cada instante, e a morte “quando chegar a hora”, é apenas um caso especial. Eu não digo que uma crença em reencarnação jamais foi crida na Índia. Digo que esta crença só pode ser resultado de uma má interpretação popular da linguagem simbólica dos textos e que a crença dos eruditos e teósofos modernos é resultado de uma interpretação dos textos igualmente simplista e desinformada. Se há a pergunta de como pode ter surgido tamanho erro, pedirei que considerem as seguintes afirmações de Santo Agostinho e Tomás de Aquino: que nós estamos em Adão “segundo a substância corporal e a virtude seminal”; que “o corpo humano preexistia nas obras prévias em suas virtudes casuais”; que “Deus não governa o mundo diretamente, senão por meio das causas médias, e se não for assim, o mundo seria provado da perfeição da causalidade”; que “como uma mãe está grávida de sua cria, assim o mesmo mundo está grávido das causas das coisas não nascidas”; que “o próprio destino está nas próprias causas criadas”. Se isso fosse extraído dos Upanishads ou do budismo, não seria visto nisso não apenas o que realmente são, mas a doutrina do karma, e também a doutrina da reencarnação?

Por “reencarnação” entendemos um renascimento aqui mesmo do ser e da própria pessoa. Afirmamos que isso é impossível, por boas e suficientes razões metafísicas. A consideração principal é esta: se o cosmo possui um número de possibilidades indefinidas, as quais todas devem realizar-se em uma duração igualmente indefinida, o universo presente terá cumprido seu curso quando todas suas potências forem reduzidas ao ato – justamente como cada vida humana ter cumprido seu curso quando todas suas possibilidades forem esgotadas.

O fim de uma aeternidade terá sido alcançado então sem lugar algum para uma repetição dos acontecimentos e não para uma repetição das condições passadas. A sucessão temporal implica uma sucessão de coisas diferentes. A história se repete a si mesma em tipos, mas não pode se repetir em nada particular. Podemos falar de uma “migração” de “genes” e chamar isto de um renascimento de tipos, mas esta reencarnação do caráter de Fulano deve ser distinguida da “transmigração” da verdadeira pessoa de Fulano.

Tais são a vida e a morte do animal mortal e racional Fulano. Mas quando Boécio confessou que é este animal, a Sabedoria lhe respondeu que este homem, Fulano, duvidava de quem ele era. É neste ponto onde devemos nos separar dos “positivistas”, materialistas” ou “sentimentalistas” (coloco entre aspas estas duas palavras porque “matéria” é o que é “sentido”). Tenhamos presente a definição do homem como “corpo, alma e espírito”. O Vedanta afirma que o único ser verdadeiro do homem é espiritual, e que este ser não está no Fulano nem em nenhuma “parte” dele, sendo que apenas o reflete. Afirma, em outras palavras, que este ser não está no plano de Fulano nem está de modo algum limitado pelo campo de Fulano, sendo que se estende deste campo até seu centro, independente dos lugares que adentra. O que ocorre durante a morte, então, acima da desintegração de Fulano, é uma retirada do espírito do veículo fenomênico do qual ele havia sido durante a “vida”. Por conseguinte, falamos com exatidão mais estrita quando nos referimos à morte como uma “entrega do espírito” ou quando dizemos que Fulano “expirou”. É necessário relembrar, apenas entre parêntesis, que este “espírito” não é um espírito no sentido do espiritismo, nem uma “personalidade supervivente”, mas sim um princípio puramente intelectual tal como do qual onde são feitas as idéias, é “espírito” no sentido em que é o espírito o Espírito Santo. Assim, na morte, o pó retorna ao pó e o espírito à sua fonte.

Após a morte de Fulano há duas possibilidades, as quais são aproximadamente as implicadas pelas expressões familiares de “salvo” ou “condenado”. A consciência do ser de Fulano esteve centrada em si mesma e deve perecer com ele, o bem estava centrado em seu espírito e parte com ele. É o espírito, como expressam os textos vedânticos, que se “recolhe” quando alma e corpo se separam. Suponhamos que nossa consciência do ser estava concentrada no espírito, podemos dizer que quanto mais completamente formos “participantes do que somos”, ou “despertados”, antes da dissolução do corpo, tão mais próximo do centro do campo será nossa próxima aparição ou “renascimento”. A morte da nossa consciência do ser não vai a nenhuma parte que não está agora.

Depois consideraremos o caso daquele cuja consciência do ser foi despertada agora, mas será antes dos nossos últimos vinte e um passos ou níveis de referência e para quem quer apenas um vigésimo segundo passo. Agora vamos considerar apenas o primeiro passo. Se efetuamos este passo antes de morrer – se estamos vivendo em algum grau “no espírito” e não meramente como animais racionais – teremos cruzado, quando o corpo e alma se separarem no cosmo, o primeiro dos lugares ou circunferências que encontraremos entre nós e o Espectador central de todas as coisas, o Sol Supernal, o Espírito e a Verdade. Iremos ver o ser em um novo contorno, onde, por exemplo, poderá haver todavia uma duração, mas não em nosso sentido de presente do tempo. Não seremos levados com nenhum dos nossos aparatos psicofísicos que poderiam ser inerentes de uma memória sensível. Sobreviveriam apenas as “virtudes intelectuais”. Isso não é a supervivência de uma “personalidade” (a qual foi uma propriedade deixada quando partimos); é o ser continuado da mesma pessoa de Fulano, sem carregar as mais grosseiras das definições anteriores de Fulano. Teremos cruzado sem interrupção a consciência do ser.

Desta forma, por uma sucessão de mortes e renascimentos, todos os lugares podem ser ultrapassados. A vida que seguiremos será a do raio, o raio espiritual que nos liga com o Sol central. É a ponte única que cruza o rio da vida que separa uma orelha da outra. A
palavra “ponte” aqui é usada deliberadamente, pois ela é “mais afiada que o fio da navalha”, a ponte de Cinvant de Avesta, a “ponte do horror”, familiar ao folclorista, cuja qual nada além do herói pode passar, uma ponte de luz consubstancial como sua fonte. O Veda expressa “Eu sou a Ponte” – uma descrição que corresponde à cristã “Eu sou o caminho”. Terá se adivinhado que o passo nesta ponte se constitui por etapas que são definidas por seus pontos de intersecção com nossas vinte e uma circunferências, o que é chamado propriamente de transmigração ou regeneração progressiva. Cada passo desta via está marcado por uma morte própria e anterior a “si mesma”, e por um renascimento consecutivo e imediato de “outro homem”. Devo interpolar aqui que esta exposição foi inevitavelmente simplificada. Foi distinguido as direções de moção, uma circular e determinada, a outra centrípeta e livre, mas o que não foi deixado claro é que seu resultado pode ser indicado propriamente apenas por um espiral.

domingo, 26 de abril de 2009

Aleksandr Dugin: 'Geografia Sagrada' e Grande Síntese

Alphonse van Worden - 1750 AD






A partir das primeiras décadas do século XX, numerosos autores e líderes políticos, provenientes de diversos países e contextos culturais (Corneliu Codreanu, Ernst Jünger, Julius Evola, Otto Strasser, Nikolai Ustrialov, Ernst Niekisch, Carl Schmitt, Giovanni Gentile, etc.) começaram a lançar os alicerces filosóficos, espirituais e políticos do que aqui denominaremos de GRANDE SÍNTESE, vale dizer, a ampla convergência entre todas as correntes de pensamento anticapitalistas, antiliberais e antiburguesas, por um lado; e por outro, todas as tradições esotéricas (mormente as de cunho não-dualista) da revolta irracionalista contra a ‘Modernidade’ e a 'Sociedade Aberta' ao longo da História.

Tal panorama ideológico não constitui, claro está, um quadro estático, nem tampouco é possível estabelecer uma tipologia estanque para ele; amiúde há, com efeito, um constante intercâmbio entre diferentes matrizes filosóficas no seio de um mesmo autor, por exemplo, e até mesmo, em alguns casos, um caótico amálgama de vetores contraditórios. Entre os exemplos pioneiros e emblemáticos deste fenômeno, podemos citar figuras como o escritor alemão Ernst Jünger, a um só tempo predicando, por um lado, a nostalgia da gemeinschaft orgânica, do medievo germânico e, por outro, a ‘mobilização total’ (Totale Mobilmachung) da sociedade industrial em prol de um estado de guerra permanente / o primado de uma casta aristocrática formada por guerreiros, pensadores e poetas; o também alemão Carl Schmitt, insigne jurista e filósofo político, que defende a tese de que todas as categorias da política têm um fundamento teológico, bem como a noção de que a ‘fenômeno político’ se configura como o terreno privilegiado da contraposição, da disjuntiva 'amigo/inimigo', sem apelo a quaisquer injunções de cunho ético ou racional; o peruano José Carlos Mariátegui, que mesmo sendo marxista, advoga, sob a influência de Sorel e Péguy, que "a força dos revolucionários não está na sua ciência; está na sua fé, na sua paixão, na sua vontade. E uma força religiosa, mística, espiritual. É a força do Mito."; o italiano Julius Evola, senhor d’um estilo inigualável em sua forja majestosa e estratosférico arrebatamento, com sua defesa do retorno aos arcanos da Tradição como combustível espiritual para a revolta contra o mundo moderno; a francesa Savitri Devi Mukherji (nascida Maximiani Portaz), cuja obra é um ousado e fascinante exercício de incorporação da mística nacional-socialista aos princípios do Vedanta; entre outros autores.

É mister salientar que, na esfera mais propriamente ‘política’ do projeto da Grande Síntese , a superação da falsa dicotomia entre 'esquerda' e 'direita', que gerou as grandes tragédias políticas e militares da modernidade, é sem dúvida a grande tarefa a que se propõe a chamada Terza Posizione, termo cunhado em 1978 com a criação do movimento político homônimo em Itália, sob a liderança de Peppe Di Mitri, e tendo como principais ideólogos Roberto Fiore e Gabriele Adinolfi.

Com efeito, torna-se cada vez mais evidente a existência d'uma oposição irreal, posto que ditada por meras circunstâncias transitórias de índole 'política', 'econômica' e 'cultural', entre dois campos semânticos e simbólicos unidos por um profundo elo metafísico: a revolta sagrada do Espírito contra a ditadura ‘funcionalista’ da Razão; do impulso romântico-messiânico contra os falsos ídolos do pragmatismo burguês; da esfera necessária, permanente, imutável e infinita da ETERNIDADE contra a dimensão contingente, transitória, cambiável e finita do TEMPO (ou então, nos termos d'uma belíssima declaração do líder taliban mullah Omar: "não tememos a morte, pois já estamos mortos; assim sendo, vivemos no Tempo, mas combatemos na Eternidade."); enfim, do rutilante fulgor da TRADIÇÃO contra a pseudoconsciência errática e fragmentária da MODERNIDADE.

E malgrado Di Mitri, Fiore e Adinolfi tenham cunhado o termo e, de certa forma, delineado os aspectos gerais do pensamento Terza Posizione, penso que o filósofo russo Aleksandr Dugin (tido, aliás, como um dos principais conselheiros políticos de Vladimir Putin, ex-presidente e atual primeiro-ministro da Rússia) é hoje, mormente em relação a questões de geopolítica, o pensador mais ousado no âmbito de tal perspectiva ideológica.

A grande 'estratégia' duginiana , por assim dizer, é justamente trabalhar, no âmbito da noção de 'geografia sagrada', categorias de análise tradicionalmente empregues na reflexão geopolítica.

E em que consiste tal noção? Enquanto a geopolítica opera na esfera do cálculo econômico, das relações comerciais, do paralelogramo das forças políticas em ação, a 'geografia sagrada' mergulha no universo dos Arquétipos Tradicionais e Mitos Fundadores, isto é, no escopo do substrato simbólico presente na origem de cada complexo civilizacional. E tal processo envolve, na esfera mais especificamente político-ideológica, a busca pela seiva vital das tradições culturas e civilizações de índole telurocrática e / ou eurasiana, isto é, dos complexos civilizacionais cujos alicerces mais profundos vão de encontro ao 'atlantismo talassocrático’, à 'Sociedade Aberta', ao iluminismo e ao liberalismo.

TELUCRACIA, termo cunhado pelo geógrafo britânico Halford Mackinder (mas que Dugin emprega numa acepção de certa forma distinta da acepção original), significa literalmente 'Poder / Governo / Império Terrestre', em oposição à TALASSOCRACIA, isto é, 'Poder / Governo / Império Marítimo'.

As seguintes passagens de From Sacred Geography to Geopolitics (1996) esclarecem bem o contexto em que Dugin emprega tais conceitos (os grifos são meus):


The two primary concepts of geopolitics are land and sea. Just these two elements —Earth and Water — lie at the roots of human qualitative representation of earthly space. Through the experience of land and sea, earth and water, man enters into contact with the fundamental aspects of his existence. Land is stability, gravity, fixity, space as such. Water is mobility, softness, dynamics, time.


Ou seja, o autor russo descreve o antagonismo essencial entre o ethos 'telurocrático', lastreado no arquétipo da PERMANÊNCIA; e o ethos 'talassocrático', que reverbera o arquétipo da MUDANÇA; tal contraposição corresponde, em termos de simbolismo mítico, respectivamente à oposição entre ETERNIDADE e TEMPO, mormente no âmbito da metafísica platônico/agostiniana (alicerce central da metafísica ocidental) e das doutrinas védicas (pilar central da metafísica hinduísta).


(...) Earth, Sea, Ocean are in essence the major categories of earthly existence, and for mankind it is impossibile not to see in them some basic attributes of the universe. As the two basic terms of geopolitics, they preserve their significance both for civilizations of a traditional kind and for exclusively modern states, peoples and ideological blocks. At the level of global geopolitical phenomena, Land and Sea generated the terms: thalassocratia and tellurocratia, i.e. “ power by means of the sea ” and “ power by means of the land ”. The force of any state and any empire is based upon the preferential development of one of these categories. Empires are either “thalassocratic”, or “tellurocratics”. The former imply the existence of a mother country and colonies, the latter of a capital and provinces on “common land”. In the case of “thalassocracy” its territory is not unified into one land space - which creates an element of discontinuity. The sea — here lies both strength and weakness of “ thalassocratic power ”. “Tellurocracy”, vice-versa, has the quality of territorial continuity.


Com efeito, a Humanidade organiza-se socialmente, tanto em termos políticos e econômicos quanto culturais e espirituais, a partir de estruturas telurocráticas ou talassocráticas. E tal conjunto de características, vale sublinhar, nem sempre depende puramente da ‘geografia física’ d’uma civilização: Dugin argumenta, por exemplo, que o arquipélago japonês estrutura-se, política, cultural e espiritualmente, isto é, em termos de ‘geografia sagrada’, a partir d’um incontrastável perfil telurocrático, muito embora, geopoliticamente falando, em tese constitua um poder talassocrático.

No restante do ensaio, Dugin desenvolve com mais vagar a ampla gama de diferentes matizes e elementos embutidos nos conceitos em tela. Os imponentes parágrafos com que o pensador russo encerra seu texto contribuem, se calhar, para tornar mais nítido o horizonte conceitual em tela (novamente, os grifos são meus):


During the struggle, the flame of the “resurrection of the spiritual North”, the flame of Hyperborea transforms the geopolitical reality.The new global ideology is the ideology of Final Restoration, putting the final dot to the geopolitical history of civilization - but not that dot, which wanted to put the mondialist spokesmen of the End of History. The materialistic, atheistic, antisacral, technocratic, atlantist variant of the End is turned into a different epilogue — the final Victory of the sacred Avatar, the coming of the Terrible Destiny, giving those who chose voluntary poverty a reign of spiritual abundance, and to those who preferred wealth founded on assassination of Spirit, eternal damnation and torments in hell.

The missed continents are lifted from the abysses of the past. Invisible meta-continents appear into reality. A New Earth and New Heaven arise.

This path is not from sacred geography to geopolitics, but on the contrary, from geopolitics to sacred geography.


A GRANDE SÍNTESE, assim sendo, alimenta-se da 'geografia sagrada', indo além, portanto, da mera análise geopolítica, da mera consideração a propósito das relações econômicas, da avaliação do jogo político, etc. Consiste, sobretudo, de um vasto e ambicioso esforço de compreensão do que há de mais recôndito, de mais arcano, de mais primordial, de mais fatal e inexorável em cada cultura; ou seja, do substrato simbólico, dos arquétipos fundamentais, dos mitos fundadores de cada civilização, com o fito de encontrar o 'elo perdido' na aurora da História, a remota unidade transcendente entre todas as grandes Tradições orientais e ocidentais. E já assumindo rasgos inequivocamente proféticos, muito embora perfeitamente coerentes no plano da lógica interna da 'geografia sagrada', Dugin antevê, por um lado, a derrocada final do 'Reino da Quantidade', mundo caótico e destituído de ideais, uma civilização agonizante e descrente, onde os valores tradicionais foram abandonados em nome das evanescentes ilusões do Tempo e da Matéria; e por outro, a gloriosa ascensão do Traditionswelt encarnado nas civilizações telurocráticas, onde, apesar de seu relativo atraso em termos de desenvolvimento tecnocientífico, permanece viva, mesmo que eventualmente em estado de latência, a potestade e a sabedoria perene que emanam da ETERNIDADE e do ESPÍRITO.

Por fim, um escólio de importância marginal, mas ainda assim necessário, quero crer. A perplexidade que algumas passagens de Dugin provocam é algo perfeitamente compreensível, não só pelo emprego deliberado d'uma retórica messiânica, em tom quase profético (a meu juízo curiosamente ecoando os versos apocalípticos de William Blake), mas também pela ruptura com vários paradigmas consagrados pelo pensamento político e sociológico mainstream, à direita e à esquerda. O autor ultrapassa de tal modo, com tamanha ousadia conceitual e ambição teórica, a estreiteza filosófica dos parâmetros de análise ‘consagrados’ na esfera das Ciências Sociais, que, de facto, o leitor habituado às abordagens acadêmicas ‘padronizadas’, sente-se desacorçoado, desorientado, quase que irremediavelmente perdido num indeslindável labirinto de signos e símbolos obscuros.


***


A plena compreensão do que está efetivamente em jogo no projeto da Grande Síntese envolve, há que frisar, não só o firme talante de romper com o rigor mortis dos esquematismos ideológicos, mas também de imbuir-se d'uma disposição de espírito que envolve, em última instância, a fome do Absoluto; o esquecimento de si mesmo no ‘Vale do Aniquilamento’ (ó Attar, onde estás que não respondes?); o ato de arrojar-se no vórtice flamejante das paixões revolucionárias; de engajar-se nos horizontes da revolta messiânica contra a modernidade e, porventura, até mesmo o temerário mergulho nos vertiginosos báratros do aórgico...

Não sei se me fiz entender; muito provavelmente, não: apenas começo a singrar, no limite de minhas parcas possibilidades, um vasto e arcano Universo, com seus oceanos ignotos e fossas abissais, onde a lux aeterna dos séculos se desintegra em reflexos crepusculares... de todo modo, icei âncora, enfunaram-se as velas, fiz-me ao mar... para onde? Não sei; segue adiante, caravela onírica, pois "navegar é preciso", mesmo sendo árduo o périplo, e incerto o fado...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dos Caminhos Espirituais da Grande Síntese





À Aristocracia do Espírito:

Saudações nacional-bolcheviques a todos!

Trataremos hoje de um assunto capaz de deixar os confrades mais conservadores de cabelo em pé, muito embora aqueles que me acompanham já tenham notado minha preferência por misturar niilistas como Carlo Michelstaedter, além de revolucionários de toda sorte, com as doutrinas não-dualistas.

Em primeiro lugar, faz-se mister relatar aqui as semelhanças existentes entre as doutrinas não-dualistas e o ódio ao mundo e à realidade comuns entre movimentos que vão desde o romantismo até o niilismo dadaísta e o futurismo de Papini. Portanto, não há nada de contraditório em afirmar-se admirador e inserir numa mesma doutrina estes elementos modernos com as milenares tradições não-dualistas, principalmente as orientais.

Pois então reparem na semelhança entre este poema de Carlo Michelstaedter com um trecho do Tao:

Io son solo, lontano, io son diverso—
altro sole, altro vento e più superbo
volo per altri cieli è la mia vita . . .
Ma ora qui che aspetto, e la mia vita
perché non vive, perché non avviene?
Che è questa luce, che è questo calore,
questo ronzar confuso, questa terra,
questo cielo che incombe? M'è straniero
l'aspetto d'ogni cosa, m'è nemica
questa natura! basta! voglio uscire
da questa trama d'incubi! la vita!
la mia vita! il mio sole!

=

A massa está radiante
Como na alegria da festa sagrada
Como a subir nos altos na primavera
E só eu hesitante não recebi sinais auspíciosos
Como um recém-nascido que não sabe brincar
Uma marionete sem saber para onde voltar.

A massa tem o supérfluo
E só eu sou como esquecido.
Eu, com um coração idiota
Confuso e obscuro.
As pessoas são brilhantes
E só eu sou ofuscado e tolo.
As pessoas são vibrantes
E só eu sou melancólico.

Irrequieto como o mar
Rodopiando como o vento sem lugar.

A massa tem suas metas
E só eu sou teimoso e tosco.

Mas só eu sou diferente dos outros
Pois honro a Mãe nutriente.
(Tao Te Ching, cap. XX)

Aqui, podem nos perguntar, porque desejamos harmonizar doutrinas aparentemente contraditórias. Entretanto, não buscamos harmonizar coisa alguma. Não desejamos transformar um monge budista ou cristão ortodoxo num militante dadaísta, porém, devido ao excesso de teia de aranha presente principalmente em tradicionalistas mais interessados
em imitar o estilo de seus próceres que buscar um agir político eficiente, torna-se de capital importância revigorar e trazer um novo sopro na ação política daqueles que desejam o renascimento das sociedades tradicionais. Outros perguntarão se não estamos exagerando nessa síntese, mas ora: é sabido que Evola foi capaz de inserir autores como Weininger e o próprio Michelstaedter na Tradição. Ainda podemos nos lembrar de Alexander Dugin, que trouxe os conceitos de via da mão direita e esquerda em uma nova abordagem. É notório como Alexander Dugin conseguiu mais influência política que os guenonianos reunidos em eternas convenções, buscando discutir assuntos já superados, sempre regados a bastante rosquinhas e chá de camomila.

Qual é, portanto, o ponto principal desta síntese? Antes de qualquer coisa, é interessante notar como o não-dualismo é predominante entre shaivistas, enquanto o não-dualismo qualificado e o dualismo (uma das mais deficientes exposições metafísicas existentes) são predominantes entre vaishnavas. Isso ocorre devido ao caráter destruidor e renovador de Shiva, enquanto o caráter de Vishnu é conservador e sustentador. A diferença, em fim último, é clara: enquanto o vaishnava se contenta com a apreciação criador-criatura em Vaikunta, o shivaísta deseja e busca moksha, o estado sem dualidades, sem qualquer distinção, onde avidya é eliminada para dar cabo nas ilusões de expansão de limitação de Maya. Julius Evola, ao justificar sua atração pelo dadaísmo, afirmou que o dadaísmo era "a defesa de uma visão de mundo do impulso rumo a uma liberação absoluta através da subversão de todas categorias lógicas, éticas e estéticas, manifestadas sob formas paradoxais e desconcertantes."

A liberação através do choque e de impulsos traumatizantes existe nas doutrinas orientais. Gurdjieff sujeitava alguns de seus discípulos as mais pesadas humilhações e experiências traumáticas, como os freqüentes afogamentos em seu castelo. O Tantra da mão esquerda da Caxemira também busca a realização através de intoxicação e rituais inaceitáveis pelo shastra de toda a Índia.

Mas como sintetizar o ódio ao mundo de Papini, ou ainda ao niilismo de Michelstaedter com o Advaita Vedanta? Em primeiro lugar, como já dito aqui, é preciso notar que buscamos uma síntese, portanto, não é nossa obrigação buscar uma total concórdia entre doutrinas discrepantes. Neste caso, o que pretendemos é sintetizar estes movimentos modernos com as doutrinas orientais em busca de uma ação política eficiente, que siga os princípios alquímicos de solve et coagula: primeiro, é necessário derrubar a ordem vigente, no entanto, os movimentos modernos falharam pela falta de uma base metafísica capaz de sustentar toda a agonia e revolta contra a realidade que criaram. E para utilizar a Tradição de forma eficiente, primeiro é necessário destruir todas as bases da civilização moderna, tanto as bases clássicas (democracia parlamentar, Estado de Direito, etc) como as progressistas (movimentos igualitários, direito de minorias, etc). Nas sábias palavras de Alexander Dugin, é necessário curar com o próprio veneno: toda a estrutura da realidade deve ser subvertida numa revolta do espírito contra a realidade objetiva, que sufoca aqueles que tem sede por estágios supra individuais. Não é curioso notar como diversas bandas de Heavy Metal, movimento identificado com a rebeldia, fazem louvores às batalhas medievais, dedicando diversos trabalhos ao assunto?

Dentro da Grande Síntese, é necessário utilizar o caminho aberto pela subversão niilista para ocupar espaço com a Metafísica Oriental. Duvidamos que Michelstaedter não se sentiria atraído pelo Âtma Bodha de Shankara. Ou Papini, em seu ódio contra a realidade que oprime, não se sentiria atraído pela possibilidade de liberação de toda dualidade, resultante num estado além de todo estado?


Assim, supinos confrades, destacamos o caminho espiritual da Grande Síntese como um traço a ser percorrido entre a revolta contra a realidade já comum no Ocidente com a implantação de uma sustentação metafísica, preferencialmente da Metafísica Oriental. Com isso será possível destruir todo o caráter telúrico existente na sociedade moderna, para atingir o novo homem, o tipo idealizado pela Guarda de Ferro e seu Capitão Codreanu, a figura do asceta guerreiro.



Antes, será necessário todo este processo alquímico, em busca da remoção de todos os vícios e limitações impostos ao homem moderno. Como no Vamachara Tantra, a liberação virá pela intoxicação. Terminamos pois citando Alexander Dugin, o que melhor compreendeu a transformação da Tradição numa geografia sacra, num campo que não se resume apenas ao combate iniciação versus contra-iniciação, mas sim da reedição da eterna luta miguélica contra Satanás e os anjos decaídos. O combate ocorre no tempo, mas os lutadores combatem na eternidade. É preciso que encarnemos Dhumavati: não somos demoníacos, mas o aspecto deve ser terrível mesmo aos demônios.












"Comme les heritiers veritables de Heraclite, les NB aporteront le FEU sur la terre, et leur Cause irrationelle humiliera la sagesse de ce monde, de la societe ouverte de ces etres qui ne sentent aucune nostalgie des Origines, aucune douleur existencielle d'etre separe de l'Etre Pur, aucun soif de l'initiation et de la realisation espirituelle. Au dela de la gauche et de la droite, la Revolution une et indivisible dans la trinite impossible qui uni dialectiquement Troisieme Rome, Troisieme Reich et Troisieme International. Regnum des NB, leur Empire de la Fin s'est la realisation parfaite de la plus grande Revolution, continentale et universelle. C'est le retour des Anges, la ressurection des Heros, la revolte du Coeur contre la dictature de la Raison. Cette DERNIERE REVOLUTION est affaire de l'Acephal, de l'Acephal porteur de la Croix, du Faucil et du Marteau, couronne par la Svastica Eternelle!"Aleksandr Dugin

domingo, 5 de abril de 2009

Xavier Zubiri: A inteligência que sente

A trajetória intelectual de XAVIER ZUBIRI está marcada por um processo de formação aonde intervém a filosofia, a teologia, as ciências (especialmente a física e matemática) e a lingüística. Esta pluralidade de interesses determina sua forma de compreensão do que é a filosofia e de como se deve enfrentar os problemas.
.
- O objetivo de filosofia

Apesar de seu claro interesse pela ciência, ZUBIRI considera que esta não resolve os problemas de compreensão da realidade, afirmando que tal compreensão somente é possível a partir da filosofia, a qual qualifica como saber transcendetal.
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Porém, dado que este termo se utilizou de muitas maneiras e em muitos sentidos ao largo da história, converte-se em uma necessidade para o filósofo dar claridade ao significado, constituir seu objeto. Enquanto a ciência analisa o objeto que tem em frente, a filosofia constitui seu próprio objeto e se constitui a si mesma por meio da reflexão. Essa distinção entre ciência e filosofia podemos ver no fragmento seguinte:

"Resultará entonces que esta diferencia radical entre la ciencia y la filosofía no se vuelve contra esta última como una objeción. No significa que la filosofía no sea un saber estricto, sino que es un saber distinto. Mientras la ciencia es un conocimiento que estudia un objeto que está ahí, la filosofía, por tratar de un objeto que por su propia índole huye, que es evanescente, será un conocimiento que necesita perseguir a su objeto y retenerlo ante la mirada humana, conquistarlo. La filosofía no consiste sino en la constitución activa de su propio objeto, en la puesta en marcha de la reflexión. El grave error de Hegel ha sido de signo opuesto al kantiano. Mientras éste desposee, en definitiva, a la filosofía de un objeto propio, haciéndola recaer tan sólo sobre nuestro modo de conocimiento, Hegel sustantiva el objeto de la filosofía haciendo de él todo de donde emergen dialécticamente y donde se mantienen, también dialécticamente, todos los demás objetos.

No es menester, por ahora, precisar el carácter más hondo del objeto de la filosofía y su método formal. Lo único que me importa aquí es subrayar, frente a todo irracionalismo, que el objeto de la filosofía es estrictamente objeto de conocimiento; pero que este objeto es radicalmente distinto de los demás. Mientras cualquier ciencia y cualquier actividad humana considera las cosas que son y tales como son (hos éstin), la filosofía considera las cosas en cuanto son. Dicho en otros términos: el objeto de la filosofía es transcendental, y, como tal, accesible solamente a una reflexión."
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X. Zubiri: Naturaleza, História y Dios

Partindo dessa base o autor começa um labor que implica um esforço de revisão da filosofia e a tentativa de desenvolver seu pensamento de forma sistemática. Para isso, toma em consideração a tradição filosófica que arranca no mundo grego e que em última instância levou a três modos de interpretação: o Cientificismo, o Idealismo e o Realismo. Nenhuma destas formas, tal e como as analisa em Cinco lecciones de Filosofia, permite uma verdadeira compreensão da realidade. Cada um destes enfoques corresponde a uma determinada maneira de compreensão do mundo, próprios de uma determinada etapa histórica. Põem de manifesto, isso sim, um facto fundamental da filosofia: sua historicidade. Porque nenhuma filosofia parte de zero, senão de uma tradição que nos abre possibilidades e nos permite seguir reflectindo.
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ZUBIRI reinterpreta esta tradição com o apoio das linhas de investigação empreendidas por HUSSERL e HEIDEGGER, autores com os que completou sua formação. Do primeiro tem em conta a necessidade do retorno a las cosas mismas e o segundo, o replanteamiento del estudio del ser, elementos que influíram na elaboração de seu pensamento.
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Considera que existiram, na história do pensamento, dois modelos fundamentais de entender a realidade. Em primeiro lugar, o modelo grego cuja questão fundamental, sobretudo a partir de PARMÊNIDES, era o estudo do ser, que culmina com ARISTÓTELES com a identificação entre essência e sustância. O segundo, o modelo cristão, cujo ingrediente básico é a interpretação da origem da realidade baixo a forma de um "acto criador"; o que faz com que o pensamento transforme-se fundamentalmente teológico, já que é a partir da realidade divina como deve interpretar-se todo o existente. Nesse fragmento de outra obra de ZUBIRI podemos ver de maneira resumida essa explicação:

"Mientras las metafísicas cristianas, salvo en puntos concretos, absorben, depuran y elevan la metafísica griega, en cambio rompen con esta por su idea del mundo. Y ante todo por la raíz de este: el mundo está creado. Este es su carácter formal e intrínseco del mundo en cuanto tal. Mundo es entonces la totalidad del ente creado qua creado. Con ello, la metafísica se convierte en teoría de la creación."
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X. Zuburi: Sobre la esencia

Ainda que considera que o pensamento grego é um elemento fundamental da tradição, - afirma que nós "somos los griegos" demonstrando o valor que dá ao pensamento clássico -, e apesar de que mantém proposições de caráter religioso respeito à fundamentação última, nenhum dos dois modelos o convence. Considera que a filosofia atual tem o desafio de ser "pura" filosofia, sem ingredientes teológicos e, dessa forma, sem ataduras rígidas do conceptualismo de origem grego. Afirma que a função da filosofia é a aprehensión de la realidad, a captação de um objeto que vai mais além, que transcende o imediato. A capacidade desta compreensão é o que constitui o acto distintivo humano: entender a realidade. Aqui está a chave.
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- A Inteligência que sente
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Defende que é necessário retornar a um ponto-chave da filosofia grega. Com PARMÊNIDES cortou-se a interpretação da realidade definitivamente, de acordo com os valores dado as duas distintas formas de conhecimento: inteligência e sentido. A sobrevalorização que se produz a partir desse momento à inteligência, leva consigo a consideração conceptualista da realidade e, no melhor dos casos, a uma função subsidiária dos sentidos. ZUBIRI, pelo contrário, considera que entender e sentir, inteligência e sensibilidade, não são duas coisas ou faculdades separadas. Não pode dar-se uma sem a outra. Ambas são formas de "aprehender la realidad como algo de suyo", como algo que tem entidade em si mesmo. Desta forma o entender é captar as coisas reais e este captar é "sentiente".

"el hombre echa mano de una función completamente distinta de la función de sentir: hacerse cargo de la situación estimulante como una situación y una estimulación «reales». La estimulación ya no se agota entonces en su mera afección al organismo, sino que independientemente de ella, posee una estructura «de suyo»: es realidad. Y la capacidad de habérselas con las cosas como realidades es, a mi modo de ver, lo que formalmente constituye la inteligencia. Es la habitud radical y específica del hombre."

X. Zubiri: El hombre, realidad personal

É daí que ZUBIRI afirma que o ser humano possui uma "inteligencia sentiente", que é o que o caracteriza e distingue frente aos demais animais. Os outros animais também sentem, mas o ser humano ademais, "se sente en un mundo de cosas". Nisso consiste sua inteligência: a capacidade de abertura à realidade. Esse é o traço mais característico do ser humano. Através dessa forma de inteligência entra em contato com as coisas e as entende como realidade. Sua tarefa é fazer-se responsável da realidade. Aquilo que lhe afeta se converte em realidade, é dizer, em algo que é seu. Somente com posteridade se pode distinguir distintos passos na elaboração intelectual desta intelecção. Desde um primeiro momento, aquilo que se capta enquadra-se em um campo, quero dizer, se entende o apreendido como algo entre um conjunto de coisas respeito as quais cobra sua realidade, para ser, finalmente entendida no mundo; ou seja, no conjunto do que há enquanto que é a realidade mesma. Por isso afirma que o homem é um animal de realidades.

- Natureza, homem, Deus

Longe do ponto de vista de PARMÊNIDES e dos demais seguidores de sua solução metafísica, ZUBIRI analisa a realidade, o homem e Deus tratando de encontrar a "constituição física individual" de cada um, já que isso é precisamente sua essência. Frente ao tradicional conceito de essência como definição e conceito de uma coisa, defende que a essência não é uma realidade dentro de uma coisa, "sino la misma cosa", enquanto é real. Prefere utilizar o termo sustantividade (ao menos assim seria a tradução literal ao português) para definir essa realidade constituída. À sustantividade chama o conjunto de "notas" constitutivas de uma realidade que formam um sistema. Um organismo (célula) é uma sustantividade, uma unidade funcional formada por "notas" (os elementos da célula) que formam um sistema. Cada componente perde sua singularidade em função do conjunto, única realidade que tem sentido.

Põe assim as bases de uma nova proposta metafísica que o leva a estudar desde uma nova perspectiva o conjunto do existente, - a natureza, o ser humano e Deus - os três grandes temas da metafísica ocidental. Ao estuda-los trata de descobrir em cada um deles as notas constitutivas, ou seja, aqueles elementos que definem esses objetos enquanto tais, que possuem um caráter físico e não conceitual como na metafísica tradicional.




O Jardim de Quesada, óleo de Rafael Zabaleta. A imagem ilustra esta abertura da qual fala ZUBIRI à realidade. O artista capta a complexidade e a riqueza da vida e a entende frente a seus olhos, a sente, a faz sua ao capta-la.

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